Por Marcus Galera Lobo

Este artigo pretende analisar a evolução histórica, de 1952 a 20191, da Produtividade do trabalho (PT) e do Produto per capita do Brasil e alguns de seus pares latinos, notadamente, Argentina, Chile, Peru, Colômbia e México, a partir dos dados da Penn World Table (PWT) v. 10.0. As análises serão realizadas tanto em termos absolutos como relativos, comparativamente a esses países.

Conceitua-se, inicialmente, produtividade do trabalho, da forma como metodologicamente aqui avaliada, como a razão entre o produto interno bruto (em termos reais e a valores constantes de 2017, expressos em US$) e o número de pessoas empregadas do respectivo do país. Expressa-se sua evolução através do Gráfico 1 abaixo.

Gráfico 1 – Evolução da produtividade do trabalho no Brasil e pares latinos – 1952 a 2019
Fonte: elaboração própria com base nos dados de RGDPNA e EMP da Penn World Table v. 10.0

Inicialmente, observa-se que, de modo geral, à exceção do Chile na primeira metade da década de 1970, todos os países analisados apresentaram trajetórias predominantes de crescimento das suas produtividades do trabalho de 1952 até 1980, respeitadas intercorrências. Na década de 1980, por sua vez, verificaram-se relativas estabilidades ou quedas quando, após, evidencia-se a retomada do crescimento2, muito embora, novamente à exceção do Chile, a taxas de crescimento menores do que as observadas de 1952 a 1980. Complementa-se a observação através da Tabela 1, abaixo.

Tabela 1 – Evolução das taxas de crescimento da produtividade do trabalho no Brasil e pares latinos
PeríodoBrasilArgentinaChilePeruColômbiaMéxico
1952-19804.50%1.80%2.17%2.30%2.24%3.09%
1981-1990-1.87%-2.84%-0.14%-4.20%0.36%-1.47%
1991-20190.86%0.87%2.34%1.78%0.97%0.18%
1991-2008; 2010-20190.91%1.14%2.50%1.88%1.00%0.41%
2000-20190.54%-0.25%1.55%2.47%1.45%0.02%
Fonte: elaboração própria com base nos dados de RGDPNA e EMP da Penn World Table v. 10.0

Registra-se, ainda, que o referido crescimento observado entre 1991 e 2019 ocorreu, em geral, em taxas predominantemente decrescentes nos anos 1990, crescentes nos anos 2000 (até a crise do subprime) e novamente decrescentes de 2010 a 2019, conforme Gráfico 2 que se segue.

Gráfico 2 – Evolução das taxas de crescimento da produtividade do trabalho no Brasil e pares latinos – 1991 a 2019
Fonte: elaboração própria com base nos dados de RGDPNA e EMP da Penn World Table v. 10.0

Para além dos níveis absolutos da produtividade do trabalho, convém observá-la em termos relativos para fins comparativos, isto é, as razões entre a PT do Brasil e as demais inerentes à amostra dos países analisados. Ilustra-se a partir do Gráfico 3, em sequência.

Gráfico 3 – Evolução relativa da produtividade do trabalho no Brasil e pares latinos – 1952 a 2019
Fonte: elaboração própria com base nos dados de RGDPNA e EMP da Penn World Table v. 10.0

Inicialmente, destaca-se que até 1970 o Brasil apresentou índices de produtividade do trabalho inferiores a todos os demais pares analisados, embora com trajetória de significativa redução dessas disparidades até 19803 (observadas eventuais inflexões, tais como em 1977), chegando a ter superado, ainda na década de 70, o Peru (em 1972), a Colômbia4 (em 1970) e o Chile (em 1975). Isso embora o Chile tenha intercalado com nossa PT até 1889, ano a partir do qual assumiu a liderança sobre nós até o último ano analisado, 2019, o que também reflete evidência já apresentada no Gráfico 1, no qual se observam as elevadas taxas de crescimento da PT no Chile verificadas a partir de 18875.

Ressalta-se, ainda, a disparidade relativa assumida sobre o Peru de 1989 a 2014, anos em que ficamos acima dos 150% relativos, com ápice em 2001 com aproximadamente 208,5%. Desde então (2001), tal diferença vem se reduzindo expressivamente, fato que pode ser explicado, também em alusão ao Gráfico 1 e Tabela 1 anteriormente apresentados, através das taxas de crescimento da PT no Peru, em média, superiores às nossas6, impressas por esse país neste mais recente período.

Com certa volatilidade, seguimos reduzindo a disparidade em relação ao México e à Argentina, fechando 2019 a 74% e 68,5% respectivamente em relação a esses.

Prosseguindo à análise, uma vez que os dados da produtividade do trabalho consideram somente a população ocupada, faz-se oportuno também avaliar a evolução histórica do produto em termos per capita, isto é, a razão entre o produto interno bruto (em termos reais e a valores constantes de 2017, expressos em US$) e a população total dos respectivos países. Para tal, considera-se o Gráfico 4, subsequente.

Gráfico 4 – Evolução do produto per capita no Brasil e pares latinos – 1952 a 2019
Fonte: elaboração própria com base nos dados de RGDPNA e POP da Penn World Table v. 10.0

Naturalmente, é possível se observar, em maior ou menor medida a depender do país, a natural correlação positiva entre o produto per capita e a produtividade do trabalho (Gráfico 1). Sendo assim, também em coerência com a teoria econômica, quanto maior a produtividade do trabalho, sendo o trabalho um fator de produção, ceteris paribus, maior o produto e, portanto, o produto per capita.

Nesse sentido, muito das apreensões de tendências e trajetórias de crescimento ou decrescimento feitas quando da análise da produtividade do trabalho, são também aplicáveis aqui. Contudo, valem algumas ressalvas.

Verifica-se, especialmente na relação entre Brasil e Chile, que de 1973 a 1991 nós expressivamente superamos o Chile em termos do produto per capita, enquanto, em termos de produtividade do trabalho, nós havíamos nos mantido aproximadamente nos mesmos patamares durante o período. Tal evidência sugere que, entre outros, diferentes proporções entre o número de empregados e a população de cada país nesse período poderiam ser um fator contribuinte para tal, o que se verifica por meio da consulta aos dados: enquanto a média do Brasil entre os anos de 1973 e 1991 foi de 38,22% para esta razão, no Chile foi de 28,5%7. Sendo assim, tais evidências servem de exemplo de que alterações na composição da força de trabalho, PEA, (por exemplo, na taxa de ocupação8) e / ou na população em idade ativa para trabalhar, PIA, (o que, por sua vez, tende a alterar a força de trabalho), bem como na razão entre elas, a chamada taxa de participação, assim como a relação dessas com o total da população, podem alterar o nível do produto per capita ainda que a produtividade do trabalho se mantenha constante na média9.10

Outra flagrante diferença em relação ao primeiro gráfico diz respeito à relação entre os dados da Argentina e do México até início dos anos 1980: enquanto suas produtividades do trabalho encontravam-se em valores mais estreitos, o produto per capita da Argentina apresentava-se expressivamente superior ao do México, o que também sugere para o período maior representatividade do número de empregados sobre a população, tal como no evidência anterior. Encontra-se amparo nos dados, com taxa média de 36,65% para a Argentina, de 1952 a 1980, em contraste à média de 25,21% para o México no mesmo período.

Finalmente, aponta-se que, adicionalmente, poder-se-iam acrescentar demais investigações através, por exemplo, da comparação das taxas de (de)crescimento do produto per capita às taxas de (de)crescimento da produtividade do trabalho. Todavia, uma vez que variáveis outras naturalmente também impactam a evolução do produto per capita (tal como o próprio fator capital e sua utilização, não considerado nesta análise), tais análises fogem ao escopo do presente trabalho. Consta no Apêndice deste artigo Tabela 2 com a evolução das taxas de (de)crescimento do produto per capita.

Em seguimento e em última abordagem, semelhantemente ao realizado à produtividade do trabalho, expressa-se o produto per capita do Brasil em termos relativos aos seus pares latino-americanos da amostra estudada.  

Gráfico 5 – Evolução relativa do produto per capita no Brasil e pares latinos – 1952 a 2019

Fonte: elaboração própria com base nos dados de RGDPNA e POP da Penn World Table v. 10.0

Tal como na produtividade do trabalho, o Brasil inicia a série relativamente abaixo de todos os seus pares, ultrapassando a Colômbia em 196111, o Peru em 1971 e o Chile em 1973, tendo revertido a tendência da vanguarda sobre esses países entre o final da década de 1980 e início da década de 1990, voltando a apresentar valores inferiores ao Chile a partir de 1992, e terminando a série (2019) pouco acima do Peru (17,35% acima) e da Colômbia (4,32% acima).

Com relação à Argentina, saímos de uma proporção de 27,1% em 1952 e fomos nos aproximando até 1989 (79,45%), ano a partir do qual registramos uma média de 64,38% entre períodos de volatilidade.

Por fim, em relação ao México, saímos de uma proporção de 51,6% em 1952 para 76,4% em 2019, com notáveis flutuações relativas.

Conclui-se, pois, que atualmente (2019, último ano disponibilizado) encontramo-nos em posição relativa intermediária ao produto per capita dos países analisados, com a amplitude de 61,6% dos valores do Chile e 117,4% do Peru. Semelhante conclusão se verifica para os dados relativos à produtividade do trabalho, com amplitude entre a mínima de 59,1% frente ao Chile, e máxima de 136,9% ao Peru. 

Além disso, salvo o Peru e a Colômbia12 (bem como o Chile, mas por períodos referentes às décadas de 1970 e 1980), temos manifestado séries de produtividade do trabalho e renda per capita, em termos relativos, inferiores às da Argentina, Chile e México desde 1952. Ademais, embora em trajetória majoritariamente crescente da produtividade do trabalho e do produto per capita, ambos em termos absolutos, temos nos anos mais recentes13, em geral, piorado (com menores taxas de crescimento, à luz das Tabelas 1 de 2) em termos relativos frente aos nossos pares da amostra, à exceção da Argentina e do México, com flutuações.

Apêndice

Tabela 2 – Evolução das taxas de crescimento do produto per capita no Brasil e pares latinos
PeríodoBrasilArgentinaChilePeruColômbiaMéxico
1952-19804.91%1.50%1.68%2.00%2.30%3.32%
1981-1990-0.45%-2.54%1.60%-2.95%1.30%-0.28%
1991-20191.12%1.76%3.33%3.18%1.97%1.05%
1991-2008;2010-20191.20%2.07%3.54%3.29%2.04%1.33%
2000-20191.32%0.93%2.53%3.62%2.49%0.71%
Fonte: elaboração própria com base nos dados de RGDPNA e POP da Penn World Table v. 10.0

Referências

FEENSTRA, Robert C., INKLAAR, Robert and TIMMER, Marcel P. . “The Next Generation of the Penn World Table”. American Economic Review, 105 (10), 3150-3182, 2015. Disponível em: www.ggdc.net/pwt.

Notas

1  Período definido em função dos dados disponíveis da PWT v. 10.0 (a saber, 1950 a 2019), sendo os anos de 1950 e 1951 suprimidos em função da inexistência dos dados para o Chile em 1950, fato que também permite o cálculo de taxas de crescimento somente a partir de 1952.

2 Nesse aspecto, contudo, convém destacar o caso argentino que, muito embora tenha seu nível de produtividade do trabalho em 2019 (USD 47.258,59 / emp. no ano) superior ao nível observado em 1991 (USD 40.554,30 / emp. no ano), apresentou uma trajetória muito instável, com períodos de quedas anuais notáveis entre 1998 e 2002 (atingindo – 10.28% em 2002, com relação a 2001) e em 2009 (apesar de em decorrência da crise do subprime todos os países analisados terem sido afetados, a Argentina e o México registraram as maiores quedas na PT, imprimindo – 6,95% e – 6,31%, respectivamente, em relação ao ano anterior). De 2012 a 2019 a Argentina seguiu em sua instabilidade, registrando média anual de – 1,68% (portanto, queda) entre esses anos.

3 Conforme Tabela 1, já apresentada, registrando taxa de crescimento médio da PT, de 1952 a 1980, de 4,5% ao ano, superior a todos os demais países analisados. Uma vez que iniciamos a série em níveis mais próximos aos do Peru, Colômbia e Chile, isto permitiu superá-los.

4 Salienta-se que fomos novamente ultrapassados por eles em 2019.

5 Em especial, de 1887 a 1997, o Chile apresentou taxa de crescimento médio anual da PT de 4,46%, frente à média de 0,87% no Brasil, por exemplo, para o mesmo período.

6 Em média, superior também a todos os demais países analisados no período de 2000 a 2019, ilustrado na Tabela 1.

7 Contas de elaboração própria realizadas com base na mesma base de dados, a saber, PWT v. 10.0.

8 Razão entre o número de ocupados sobre a força de trabalho total.

9 Ou, ainda, e mais empiricamente comum, podem contribuir ao descolamento da taxa de (de)crescimento do produto, no que concerne à parcela do valor agregado pelo fator trabalho, à taxa de (de)crescimento da produtividade deste fator, ceteris paribus.

10 Nesse tema, um fenômeno academicamente conhecido e que pode ser citado é o chamado “bônus demográfico” (que, a saber, já muito beneficiou o Brasil), em que se verifica um crescimento da PIA superior ao crescimento populacional, fator que contribui para o aumento do produto per capita.

11  Superando-a, portanto, inicialmente em termos de produto per capita, uma vez que a produtividade do trabalho em relação a este país, como visto, só seria superada em 1970.

12  Mesmo assim, dada trajetória de queda de nossa produtividade do trabalho e renda per capita relativas a estes países (Peru e Colômbia), a ver até quando…

13  Considerando a partir dos anos 2000.

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