Por Luiz Carlos dos Santos Faria Junior*
Integrante do PET Economia UFF
O gélido silêncio que precede o alvorecer também é prenuncio do corriqueiro frenesi sonoro que está prestes a despertar nas cidades brasileiras. Tal qual uma xícara de café quente ao começar o dia, a ebulição do despertar dos mais diferentes indivíduos converge na sucessão apressada dos afazeres básicos – alimentação e higiene pessoal – a fim de que os milhões de “colaboradores” em território brasileiro possam iniciar sua peregrinação diária rumo aos seus postos de trabalho, para garantir o pão de cada dia que será deglutido em segundos junto do medo de perder a condução.
Seu deslocamento entre casa e trabalho é uma batalha corriqueira, tanto contra as condições que beiram a insalubridade, quanto contra o vagaroso dispêndio de tempo que lhe é subtraído em cada viagem, não sujeito a qualquer remuneração ou subsídio, somente reduzindo sua sanidade e disponibilidade de destinar tais horas ao lazer ou descanso. Desse modo, os cidadãos então se encontram aptos a iniciarem suas jornadas de trabalho, e mesmo que seu dia já tenha iniciado horas antes de efetivamente ingressar em seu ofício, deve pôr um belo sorriso no rosto e encarar mais um exaustivo dia de labor.
Nesse aspecto, a sociedade moderna se revela mestre em bombardear os indivíduos com pequenas doses de ansiedade durante o dia, de forma que, no momento em que o trabalhador chega em seu lar exaurido de forças após quase meio dia fora de casa, não o resta alívio ou satisfação qualquer por tê-lo finalizado, somente a anestesia causada pelo cansaço mental extremo que o irá pôr em um estado similar a um coma induzido até seu despertador tocar na manhã seguinte.
Não gratuitamente, no ano de 2022 a Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstrou sua devida preocupação com as questões relacionadas a saúde mental, publicando o “World mental health report: Transforming mental health for all”, contendo importantes indicadores a respeito das condições de vida dos indivíduos ao redor do mundo, como o fato de no ano de 2019 cerca de 15% dos adultos em idade laboral estarem acometidos por algum tipo de transtorno mental.
“Estima-se que anualmente 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos por causa de depressão e ansiedade, custando à economia global quase 1 trilhão de dólares […] O trabalho amplifica questões sociais que afetam negativamente a saúde mental, incluindo discriminação e desigualdade (OPAS, 2022)”
Além disso, a Organização Mundial da Saúde aponta que a eclosão da pandemia de COVID-19 contribuiu para um aumento de cerca de 25% nos casos de ansiedade e depressão em todo o mundo, o que demonstra a vulnerabilidade em que os indivíduos se encontram mediante a cenários de extrema incerteza e escassez de recursos.
Ao encontro dos fatores apresentados, as exaustivas jornadas de trabalho têm ocupado um relevante espaço nos debates populares acerca da qualidade de vida dos cidadãos. Dados da última Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), no ano de 2022, apontam que cerca de 65,8% dos contratos vigentes representavam uma jornada de trabalho superior a 40h semanais, acometendo mais de 32 milhões de brasileiros. Além disso, desses trabalhadores que excedem 40h trabalhadas por semana, cerca de 65% recebia menos do que o equivalente a dois salários mínimos, onde cerca de 42% se encontram na faixa salarial de até 1,5 salário mínimo.
Desse modo, a discussão acerca de mudanças nas condições de trabalho no Brasil tem avançado com robustez, alimentadas por correntes como a do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), fundado pelo hoje vereador da cidade do Rio de Janeiro Rick Azevedo e fomentado pela deputada federal Erika Hilton, autora de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que buscaria o fim da chamada escala 6×1, reduzindo a duração da jornada de trabalho para 36 horas semanais.
Sendo assim, mostra-se impossível ignorar os impactos das extenuantes condições de trabalho no Brasil, que longe de promoverem uma qualidade de vida adequada, contribuem para o adoecimento mental e físico dos trabalhadores, colocando em risco o bem-estar da sociedade como um todo. A busca por mudanças, como a redução da jornada de trabalho e a valorização do tempo livre, é essencial para que os cidadãos possam reencontrar o equilíbrio e a autonomia sobre suas vidas, podendo se libertar das duras mazelas do esgotamento mental e de fato praticar em seu cotidiano não somente a sobrevivência, mas sim viver com qualidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. OMS e OIT fazem chamado para novas medidas de enfrentamento das questões de saúde. 28 set. 2022. Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/28-9-2022-oms-e-oit-fazem-chamado-para-novas-medidas-enfrentamento-das-questoes-saude. Acesso em: 3 dez. 2024.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Mental health at work: policy brief. Geneva: WHO, 2022. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240049338. Acesso em: 3 dez. 2024.
CARTA CAPITAL. Em grandes cidades, deslocamento é drama diário para trabalhador. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/em-grandes-cidades-deslocamento-e-drama-diario-para-trabalhador/. Acesso em: 3 dez. 2024.
CARTA CAPITAL. Contratos 6×1: a cara do Brasil que trabalha demais e ganha de menos. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/contratos-6×1-a-cara-o-brasil-que-trabalha-demais-e-ganha-de-menos/#:~:text=Esses%20contratos%20representam%2065%2C8,de%20pessoas%20com%20carteira%20assinada. Acesso em: 3 dez. 2024.
FUNDAÇÃO JORGE DUARTE. Setembro Amarelo e a saúde mental dos trabalhadores. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/fundacentro/pt-br/comunicacao/noticias/noticias/2024/setembro/setembro-amarelo-e-a-saude-mental-dos-trabalhadores. Acesso em: 3 dez. 2024.
PETIÇÃO PÚBLICA. Fim do modelo de trabalho 6×1 no Brasil. Disponível em: https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR135067. Acesso em: 3 dez. 2024.
ALMA PRETA. Vida além do trabalho: entenda o movimento que prega o fim da escala 6×1. Disponível em: https://almapreta.com.br/sessao/politica/vida-alem-do-trabalho-entenda-o-movimento-que-prega-o-fim-da-escala-6×1/. Acesso em: 3 dez. 2024.