Por Thomas Comin
Este simples artigo de opinião tem como principal objetivo entregar um panorama superficial ao leitor sobre alguns temas atualmente em destaque por sua importância socioeconômica, esperando que as informações compiladas aqui forneçam uma pequena contribuição ao debate. Entre os temas, destacamos a importância dos materiais semicondutores e a crise global causada pela escassez desta mercadoria; as tensões geopolíticas que cercam o tema; a desindustrialização brasileira; as oportunidades geradas para o Brasil a partir desta conjuntura internacional; e os possíveis impactos ambientais do mercado de chips e semicondutores.
1) A crise internacional de semicondutores
Semicondutores são materiais sólidos em temperatura ambiente que, pela sua propriedade natural de possuírem uma resistência elétrica maior que a de um material condutor, e menor que a de um material isolador, são importantíssimos para a fabricação de chips utilizados em diversos tipos de produtos eletrônicos, tais como simples brinquedos, aparelhos celulares, computadores, automóveis etc. Por conta desta sua ampla utilização em cada vez mais volumosos processos produtivos, a demanda por este tipo de material tem crescido incessantemente ao longo dos últimos anos. Atualmente, a líder em produção e exportação deste tipo de produto é Taiwan, com a empresa Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) sendo responsável por mais da metade da produção deste setor em âmbito global. Já em questão de competitividade, além de propriedade intelectual, os Estados Unidos da América (EUA) figuram no topo.
Com o contínuo aumento da demanda por chips em escala global, aliada à desaceleração da produção industrial – também em escala global – por conta da pandemia de Covid-19 desencadeada no início de 2020, estamos vivendo uma crise de produção de semicondutores até o presente momento. Além disso, a crise foi amplificada pela ocorrência da invasão da Ucrânia pela Rússia no começo de 2022, confronto complexo, fruto de tensões geopolíticas que vêm escalando na última década.
De fato, podemos verificar que a crise de semicondutores já impacta a produção industrial em âmbito nacional. Como consequência direta da falta de semicondutores, a firma multinacional alemã Wolksvagen paralisou temporariamente a produção de automóveis em fevereiro deste ano, através do mecanismo de férias coletivas, em três de suas quatro fábricas em território brasileiro. Similarmente, a empresa também sofreu efeitos negativos pela falta de peças em outros momentos ao longo do ano de 2022.
Contudo, a Wolkswagen não foi a única no setor automobilístico a sofrer danos por conta da crise dos materiais semicondutores. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o país deixou de produzir cerca de 370 mil automóveis no ano de 2021 e cerca de 250 mil em 2022, totalizando um déficit de 620 mil carros. Embora estejamos falando sobre as empresas automobilísticas, este está longe de ser o único setor industrializado atingido pela crise.
2) A atuação dos países frente ao cenário atual
Segundo o professor – e atual secretário de Desenvolvimento Industrial, Comércio, Serviços e Inovação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) – Uallace Moreira, em entrevista ao site Poder360 em meados de 2021, desde a crise de 2008 aprofundou-se a tendência à adoção de políticas protecionistas e de incentivo à indústria em países como os EUA, buscando trazer para dentro de seu território a fabricação de diversos produtos antes importados, diminuindo a dependência externa em sua cadeia produtiva. Ele citou, ainda, os casos de Coreia do Sul, China e Taiwan, territórios que contaram com forte apoio estatal para conseguir destaque internacional com suas indústrias de tecnologia de ponta. Entre as políticas utilizadas, podemos mencionar a aplicação de volumosos subsídios estatais ao setor de semicondutores.
No início de 2023, os EUA iniciaram a aplicação de uma lei que oferecerá cerca de 40 bilhões de dólares em subsídios ao setor industrial, voltada à atração de investimentos privados para a construção de empresas do setor de chips em seu território – a CHIPS and Science Act. Ainda em dezembro de 2022, a firma taiwanesa TSMC já havia anunciado que triplicaria seus investimentos no estado norte-americano do Arizona visando a abertura de sua segunda fábrica no local. Entretanto, para poder receber os subsídios estatais, a empresa não poderá realizar novos investimentos em países como a China ou a Rússia.
Como reflexo da situação geopolítica tensa entre as atuais superpotências econômicas mundiais – a China e os EUA –, países alinhados ao governo estadunidense, principalmente europeus, também têm adotado ações visando manter alguns setores econômicos desassociados do domínio chinês. Dentre estes, encontra-se principalmente a pesquisa e produção de semicondutores. Por conta disto, empresas chinesas intensificaram os estudos nesta área recentemente. A multinacional chinesa Huawei, por exemplo, informou em fevereiro deste ano através do discurso de um de seus executivos os avanços no desenvolvimento de um chip próprio de 14 nanômetros – no caso dos chips, quanto menor a distância entre os terminais de seus transmissores, melhor a sua capacidade. Além disso, a empresa também vem desenvolvendo várias ferramentas associadas aos softwares.
O fato é, além da pressão dos EUA, vários países atentaram-se tanto para a necessidade de produção interna desse tipo de produtos para o desenvolvimento de suas indústrias de alta tecnologia quanto para a importância de um certo grau de independência com relação às suas tecnologias. Aqui, porém, deve-se salientar que, tratando-se de uma disputa pela hegemonia econômica mundial, a aceitação à pressão de uma das superpotências não deve ser vista como um simples indício de aumento de soberania nacional: ao contrário, é uma demonstração de submissão à outra potência no tabuleiro da geopolítica internacional.
Exemplos não nos faltam, podendo ser citado o maior controle que Holanda e Japão estão dando para a exportação de máquinas utilizadas no processo produtivo de semicondutores. Isso fica nítido, sobretudo, no caso do Japão, que deixará países como os EUA e a Coreia do Sul de fora do enrijecimento de suas regras de exportação do maquinário, enquanto complexifica a exportação para a China. Enquanto isso, os governos do Reino Unido e da Alemanha atuam fortemente para que a fabricação de semicondutores em seu território não possua investimento de empresas ligadas ao gigante asiático. Importante mencionar que muitas vezes essas disputas extrapolam a esfera econômica, atingindo outras esferas sociais – o que pode nos auxiliar a entender o crescimento da sinofobia em países ocidentais nos últimos anos, como ficou nítido no Brasil e nos EUA com as reações xenofóbicas de setores políticos devido à pandemia de Covid-19.
3) Oportunidades para o Brasil
Com a crise internacional de semicondutores, abre-se uma grande oportunidade para nações como o Brasil passarem a ser menos dependentes da importação destes produtos, o que fomentaria o desenvolvimento de outros setores econômicos que necessitam de tecnologia mais avançada. Porém, o que foi percebido nos últimos governos foi a falta de aplicação de políticas suficientes neste sentido, fazendo com que fiquemos paralisados enquanto outros competidores vêm tomando medidas há anos, como exposto anteriormente.
O próprio Ministério da Economia do antigo governo – reconhecido por seu pouco interesse ao fomento da indústria brasileira – atentou-se para os impactos que a falta de materiais semicondutores pode gerar ao país. Em setembro do último ano, o ex-ministro da Economia Paulo Guedes chegou a mencionar a criação de uma medida provisória que envolveria a isenção de impostos para o setor. Entretanto, nada foi feito neste sentido até o fim do antigo governo, bem como buscou-se realizar até o fim a liquidação do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), após o fracasso da tentativa de privatização da estatal.
Assim, a Ceitec foi incluída pelo antigo governo federal em seu absurdo Plano Nacional de Desestatização (PND), expedindo, em dezembro de 2020, o Decreto nº10.578 que autorizava a dissolução societária da empresa. Uma decisão ainda mais insensata se levarmos em consideração que a empresa não é apenas a única fabricante de chips que utilizam semicondutores do Brasil, mas também da América Latina. Fundada em novembro de 2008, a Ceitec possui sede em Porto Alegre e ficou mais conhecida após o desenvolvimento do chip para identificação animal no início da década passada.
A justificativa do governo passado fundava-se no fato da Ceitec não gerar lucro, necessitando de recursos federais para a continuidade de suas atividades. Inicialmente, já podemos confrontar a alegação de que uma firma estatal de produção e desenvolvimento tecnológico necessite propiciar lucro diretamente para que sua existência seja justificada, porém, ainda há o fato de que suas receitas vêm subindo e seu prejuízo diminuindo desde o ano de 2016, mesmo com o declínio de seu financiamento por parte da União. Felizmente, o atual governo federal cumpriu sua promessa e excluiu a Ceitec do PND através do Decreto Nº 11.478 de 6 de abril de 2023. Vale mencionar que tivemos a exclusão de outras seis empresas do processo de desestatização ou liquidação no mesmo decreto.
Vale mencionar que, além da retirada da Ceitec do PND, o atual governo federal tem tomado ações que nos levam a crer que proporcionar maiores investimentos no setor industrial será um de seus focos neste mandato, tais como a retomada do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) após sete anos de inatividade, e a recente isenção de impostos de importação dada a 628 equipamentos dos quais 564 são máquinas industriais que não possuem fabricação em solo nacional.
De fato, o professor Uallace afirmou na mesma entrevista citada anteriormente que a aplicação de políticas para o fomento da produção e desenvolvimento de semicondutores em solo brasileiro traria como resultados benéficos um acréscimo nas inovações e na competitividade dos produtos industrializados produzidos no país, bem como serviria para a criação de novos empregos qualificados.
Ainda sobre a produção de semicondutores em território nacional, o assessor especial da Presidência e ex-ministro da Defesa e das Relações Exteriores Celso Amorim declarou em entrevista à agência de notícias britânica Reuters em março a posição do governo federal em relação aos investimentos para a instalação de fábrica de semicondutores no Brasil: não há preferência pelos EUA ou pela China, aquele que oferecer as melhores condições não será recusado. Essa postura, de fato, tenta localizar o país fora da disputa econômica entre as duas potências mundiais, buscando um diálogo multilateral. A dúvida, porém, é se a conjuntura internacional possibilitará a manutenção dessa política ou se o nosso país será arrastado para o meio do conflito, cedendo à pressão externa.
Em meio a isso, vale enfatizarmos que o Brasil vem passando por um processo de desindustrialização desde o final do século passado, o que deixa o nosso leque de possibilidades reais de ações à crise dos semicondutores ainda mais reduzido. Para se ter uma noção, podemos ilustrar esse cenário através dos dados provenientes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre a participação da indústria de transformação no PIB brasileiro: o ápice da contribuição da indústria de transformação foi alcançado em 1985 com o patamar de 21,6%, enquanto o setor amargou seu pior resultado histórico em 2018 com apenas 11,3%, tendo subido levemente para 12,9% em 2022. Recentemente, o Brasil amargou um desempenho de apenas 1,98% em 2017 na produção mundial da indústria de transformação. Já a participação da indústria como um todo – o que inclui, além da indústria de transformação, também a indústria de construção, indústria extrativa e serviços industriais de utilidade pública – decresceu de 48% em 1985 para 21,6% em 2018 e 23,9% em 2022. Esperamos que as políticas econômicas do atual governo federal deem um novo impulso ao desenvolvimento da indústria nacional.
As causas deste fenômeno de desindustrialização são diversas, podendo ser citadas, entre elas, a falta de investimentos estatais em setores estratégicos, gerando falta de incentivos ao investimento privado, a forte concorrência que a indústria nacional passou a ter com a abrupta abertura comercial do país na década de 1990, e a grande influência político-econômica que o setor financeiro acumulou ao longo do final do século passado e início deste, bem como a persistência secular do poder de interferência do agronegócio nos rumos econômicos do país.
4) Impactos ambientais da produção de chips
Em um contexto de aguda crise ecológica, não podemos deixar de abordar, mesmo que brevemente, os impactos ambientais gerados pela indústria de chips semicondutores. Com a crescente utilização desses produtos, tem ocorrido uma expansão gradativa dos efeitos negativos deste setor econômico ao meio ambiente, mesmo com o aumento da utilização de energia renovável no processo produtivo.
Uma parcela desses impactos já aparece cedo, logo na mineração de silício, material semicondutor muito utilizado para a confecção de chips. Embora existam materiais semicondutores melhores do que o silício para a utilização em chips, ele é um dos elementos químicos mais abundantes do nosso planeta, podendo ser obtido através da areia. Contudo, apesar da areia ser encontrada facilmente em praticamente todo o mundo, nem toda areia é utilizada para a obtenção de semicondutores: são priorizadas as areias que possibilitam a obtenção de um silício mais puro. A alta demanda por esse recurso tem prejudicado regiões cuja extração de areia é realizada em enormes quantidades, ameaçando a fauna e flora locais, erodindo praias e margens de rios, além de contaminar as águas, tudo isso em uma velocidade maior do que a de recuperação do ecossistema – principalmente se no rio atingido existem represas.
Além disso, durante o processo produtivo de chips há a emissão de grandes quantidades de gás carbônico (CO2), fazendo com que a pegada de carbono desse setor seja altíssima. Do mesmo modo, há uma intensa utilização de energia elétrica e água nessa atividade industrial. Por fim, o forte calor gerado por essas fábricas pode impactar de maneira terrível a dinâmica dos ecossistemas de regiões próximas às indústrias, causando danos irreversíveis.