Por Patrick Linhares Dias

Projeto de Iniciação Científica – FAPERJ
Orientador: Fabio Domingues Waltenberg

          A informalidade, com uma taxa de 39% dos ocupados no 3° trimestre de 2023, é um problema importante no Brasil. Em municípios em que a atividade econômica é menos dinâmica, como Maricá, a incidência do emprego formal é ainda mais baixa. Uma vez que a seguridade social tem uma lógica contributiva, seus benefícios são direcionados, essencialmente, àqueles inseridos no mercado de trabalho formal (Boschetti, 2006). Como indivíduos que desempenham atividades informais são propensos a ter uma renda baixa e volátil, e estão sujeitos à vulnerabilidade (Fernandes, 2023), a expressiva parcela da população ocupada informalmente não contribui para a previdência e fica excluída dos benefícios da formalização.

          Por se situar em território confrontante à Bacia de Santos, importante área de exploração de petróleo, Maricá, município da região Metropolitana do estado do Rio de Janeiro, arrecada um grande volume de recursos na forma de royalties e participações especiais. Para 2023, por exemplo, a receita orçamentária prevista para o município foi de, aproximadamente, R$7,6 bilhões, em que 72% desses recursos eram provenientes de royalties de petróleo. Na busca do desenvolvimento local, o município tem se destacado com o desenho e a implementação de políticas públicas pioneiras e inovadoras, entre as quais se destacam as já consolidadas políticas de transporte municipal gratuito (ônibus e bicicletas) e de transferência de renda à população vulnerável (Renda Básica de Cidadania) e, mais recentemente, o Programa de Proteção ao Trabalhador, objeto de estudo deste texto.

          Gerido pela Secretaria de Economia Solidária de Maricá, o programa Renda Básica de Cidadania consiste em pagamentos mensais de 230 reais a cada um dos mais de 90 mil beneficiários. O programa busca garantir certo nível mínimo de bem-estar ao promover o acesso aos bens e serviços básicos à dignidade humana. Por ser pago em moeda social local, a mumbuca, de circulação restrita ao próprio município, mostra-se importante para o desenvolvimento do comércio local e para proporcionar certo dinamismo à economia da cidade como um todo (Gama e Costa, 2021), visto que são milhões de mumbucas injetadas mensalmente.

          O programa Renda Básica de Cidadania concede recursos,  os quais são calculados e concedidos individualmente, de forma incondicional e assegura liberdade de dispêndio. Em seu conjunto, trata-se de uma evolução importante em relação ao antigo programa de Renda Mínima, que impunha condições (a exemplo do Bolsa Família), restringia o consumo a farmácias e a mercados, e pagava valores modestos, calculados e concedidos não em uma base individual, mas sim familiar, que oscilaram entre 70 e 130 mumbucas por família ao longo de sua vigência de 2013 a 2019 (Maldonado, Freitas e Waltenberg, 2022). Por mais importante que seja, trata-se de um programa voltado a uma fração específica da cidadania maricaense, a saber, os mais pobres. Não beneficia diretamente camadas sociais em situação social um pouco menos dramática, mas ainda assim muito vulneráveis, a saber: os trabalhadores autônomos e informais cuja renda per capita, um pouco mais elevada do que a faixa do Cadastro Único, não lhes permite enquadrar-se como beneficiários do Renda Básica de Cidadania.

          Destacam-se, por fim, as políticas de amparo aos trabalhadores. Implementado em abril de 2020, o Programa de Amparo ao Trabalhador (PAT) foi pensado pela prefeitura de Maricá com o objetivo de reduzir as flutuações de renda enfrentadas por profissionais liberais e trabalhadores informais e autônomos devido às restrições impostas durante a pandemia de Covid-19, além de incentivar a atividade econômica local, uma vez que o benefício era concedido em moeda local (Maldonado, Freitas e Waltenberg, 2022). O programa beneficiou mais de 20 mil trabalhadores da cidade e consistia, no período mais crítico da pandemia, em uma transferência mensal de 1.045 mumbucas;  com a suavização das restrições impostas e do contágio do vírus, houve redução do benefício para 600 mumbucas até março de 2023, mês no qual o programa teve fim. Por meio do PAT, a prefeitura notou a importância de possuir políticas voltadas ao amparo dos trabalhadores autônomos e informais e, por isso, implementou o Programa de Proteção ao Trabalhador (PPT). Com o objetivo de promover a formalização dos trabalhadores, assegurando-lhes direitos trabalhistas e previdenciários, o programa consiste em uma transferência de renda mensal com o Benefício de Estímulo à Produção (BEP) e um benefício direcionado à seguridade social, o Cota10. 

O PROBLEMA DA INFORMALIDADE NO BRASIL

          A informalidade, segundo Costa (2010), é um problema estrutural básico para a realidade brasileira e o seu crescimento reforça o quadro histórico de desigualdade e pobreza na sociedade. Em razão da desestruturação e da desregulamentação do mercado de trabalho, as quais impulsionam os trabalhadores para o mercado informal (Yamin et.al, 2021), tornou-se mais complexo definir a questão (Costa, 2010). Os trabalhadores informais desempenham diversas formas de atividades econômicas e enfrentam, dadas suas vulnerabilidades financeiras e ausência de qualquer tipo de proteção social (Cruz et al, 2022), a precariedade das condições de trabalho e de vida, bem como a negação de direitos elementares à cidadania e a reprodução da condição de pobreza e desigualdades sociais (Costa, 2010).

          No Brasil, o trabalho com registro em carteira é o elemento central que define os direitos aos quais os trabalhadores terão acesso e, desse modo, determina quais indivíduos terão direito a políticas de seguridade social (Yamin et al., 2021). Isso acontece pois a seguridade social brasileira incorporou tanto princípios do modelo bismarckiano, no qual o acesso é determinado por contribuições diretas prévias e proporcional à contribuição realizada, quanto do modelo beveridgiano, no qual os direitos possuem caráter universal e incondicional (Boschetti, 2006). No Brasil, acerca do tripé da seguridade social, apenas o sistema de saúde possui caráter universal, enquanto a assistência social e a previdência possuem caráter seletivo, visto que para ter acesso à assistência o indivíduo deve se enquadrar em um perfil econômico específico e, para acessar a previdência, deve contribuir previamente (Yamin et. al., 2021). Por isso, os trabalhadores autônomos e informais, por não se enquadrarem nos limites de renda definidos pela assistência e por não contribuírem para a previdência, não têm acesso a esses dois pés do tripé da seguridade social.

          No Brasil, para o segundo trimestre de 2023, o percentual de indivíduos ocupados informalmente foi de 39,2% (IBGE, 2023), enquanto a média, entre 2010 e 2018, para as economias emergentes foi de 42,3% e para as economias desenvolvidas foi de 14,4% (Ohnsorge e Yu, 2022). Apesar de o país estar na média para as economias emergentes, é importante ressaltar que são milhões de pessoas desassistidas e sem acesso a direitos trabalhistas e previdenciários em sua maioria. Ademais, como é destacado no gráfico 1, nos últimos sete anos, exceto para o ápice da pandemia, o percentual de ocupados informalmente esteve acima de 38%.

          A respeito da queda no percentual de ocupados que desempenhavam atividades econômicas informais entre o quarto trimestre de 2019 e o segundo trimestre de 2020, pode-se concluir que uma parcela desses trabalhadores deixou de desempenhar suas atividades nesse período. Por meio de análise da tabela 1, é possível notar que, entre o primeiro e o segundo trimestre de 2020, houve uma redução do percentual de ocupados informalmente de 3,6 pontos percentuais, enquanto a variação do percentual de desocupados foi de aproximadamente zero, indicando que aqueles que perderam seus trabalhos, no ápice da pandemia, ingressaram diretamente no contingente de pessoas fora da força de trabalho (variação positiva de 5,4%).

          Cruz et. al. (2022) apontam que os impactos das medidas de isolamento social foram heterogêneos entre os setores econômicos e os tipos de ocupações. O nível de tecnologia envolvido nas atividades definiu o aumento ou a redução dos efeitos econômicos derivados do distanciamento. Os trabalhadores informais foram bastante afetados pelas medidas tomadas na pandemia, pois, para a realização de muitos tipos de trabalhos informais, se faz necessária a circulação de pessoas pelas ruas (Cruz et. al., 2022). Além disso, aqueles que desempenham atividades econômicas informais possuem uma renda baixa e volátil (Fernandes, 2023), o que assevera a insegurança e a vulnerabilidade financeira desses trabalhadores. Portanto, faz-se necessário desenvolver políticas públicas para superar a insegurança social e a vulnerabilidade financeira enfrentadas por trabalhadores informais (Cruz et. al., 2022). Nesse sentido, destacam-se as políticas de amparo aos trabalhadores autônomos e informais desenvolvidas pelo município de Maricá, a partir do período pandêmico, como possíveis inspirações de políticas públicas, em diferentes esferas governamentais, voltadas para essa parcela da população.

POLÍTICAS DE AMPARO AO TRABALHADOR INFORMAL EM MARICÁ

          Em fase de implementação pela prefeitura por meio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Maricá, o Programa de Proteção ao Trabalhador (PPT) é uma política inovadora de apoio a trabalhadores informais que se registrarem como Microempreendedores Individuais (MEI) na prefeitura local ou a trabalhadores autônomos registrados em cooperativas locais. Iniciado em abril de 2023, o programa já conta com mais de 15 mil beneficiários cujas categorias de trabalho estão descritas no quadro 1.

          O PPT é estruturado a partir de dois benefícios: o Benefício de Estímulo à Produção (BEP) e o Cota10. O BEP consiste no pagamento de meio salário mínimo nacional vigente em moeda mumbuca, valor depositado em conta específica no Banco Comunitário Mumbuca. O beneficiário possui liberdade de dispêndio, com uma única restrição, de natureza geográfica: dado que o benefício é pago na moeda local, mumbuca, somente pode ser gasto dentro dos limites municipais. Por mais que o benefício seja oficialmente destinado ao estímulo à produtividade do trabalhador, para os formuladores da política não importa qual o propósito dos gastos do trabalhador. Mais concretamente, não se prevê nenhum tipo de controle nem de fiscalização para verificar se o indivíduo utiliza os recursos do BEP em gastos diretamente ligados a sua atividade profissional (por exemplo, para comprar insumos). O que se considera fundamental é que o benefício funcione como um complemento da renda auferida na atividade profissional desenvolvida, assegurando assim o desenvolvimento das atividades empreendedoras sem impactos no próprio consumo.

          O Cota10 consiste em um depósito mensal, a cargo da Prefeitura, de 10% do faturamento autodeclarado pelo beneficiário, limitado a 10% de três salários mínimos nacionais, em conta específica no Banco Comunitário Mumbuca. Por funcionar de forma semelhante a um seguro social, sua utilização é vinculada a eventos de natureza tipicamente previdenciária, tais como aposentadoria, mas também invalidez, doenças graves de beneficiários ou dependentes, falecimento de dependentes, nascimento ou adoção de filhos. Também pode ser reclamado em caso de calamidade pública e queda de rendimento do trabalho maior ou igual a 50% do valor médio anual e, por fim, em caso de férias. Nota-se, portanto, que se trata de um conjunto amplo de situações de risco social, em que a renda regular do trabalhador informal fica comprometida, sendo parcialmente reposta pelo resgate de recursos do Cota10. Os diversos eventos autorizadores estão descritos no quadro 2.

          Os objetivos principais do PPT, de acordo com a lei, são: estimular a transição para a economia formal dos trabalhadores e das atividades econômicas, superar a precarização de direitos do trabalho, facilitar o acesso a benefícios previdenciários, mitigar a volatilidade da renda, estimular a independência e promover oportunidades. Trata-se de objetivos alinhados com medidas preconizadas pela Organização Internacional do Trabalho a fim de facilitar a transição para a economia formal. No que se refere à formalização dos trabalhadores autônomos e informais de Maricá, é possível notar, por meio de dados da Receita Federal, que houve um aumento importante no número de Microempreendedores Individuais entre agosto de 2022 e agosto de 2023, passando de 19.346 pessoas para 34.843 MEIs cadastrados, o que representa um aumento de cerca de 80% entre um período e outro (ver gráfico 2).

          Ao analisar a evolução do número de indivíduos inscritos como Microempreendedores Individuais no município de Maricá, é possível observar alguns saltos em determinados meses. Por meio do gráfico 3, é possível notar que os grandes aumentos no número de MEIs entre agosto de 2022 e agosto de 2023 deram-se nos períodos de inscrições para o Programa de Proteção ao Trabalhador, os quais exigem que o beneficiário seja cadastrado como MEI ou autônomo cooperado. Portanto, tudo indica que houve um impacto do PPT na formalização dos trabalhadores.

          Ademais, cabe ressaltar que, por meio dos eventos autorizadores, o Programa de Proteção ao Trabalhador contribui para a expansão da proteção social em Maricá, garantindo direitos trabalhistas e previdenciários dos quais os trabalhadores autônomos e informais carecem, além de contribuir para o primeiro e o oitavo Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2015), no que tange à promoção de políticas de estímulo ao trabalho decente, estímulo à criação de microempresas e à expansão da proteção social. Através da injeção mensal de milhões de mumbucas com a transferência de renda do BEP, o PPT serve, também, de estímulo à atividade econômica local, pois, como a mumbuca possui circulação restrita ao território maricaense, o Benefício de Estímulo à Produção só pode ser utilizado na cidade, o que fortalece o desenvolvimento do município (Gama, 2023).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOSCHETTI, Ivanete. Seguridade Social no Brasil: conquistas e limites a sua efetivação. 2006. Disponível em: https://www.academia.edu/download/52436339/seguridade_social_no_brasil_conquistas_e_limites_a_sua_efetivacao_-_boschetti.pdf.

CRUZ, Vera Lúcia; SILVA, Mayara dos Santos; NOLASCO, Deborah Martins de Sousa;

JÚNIOR, Luiz Antonio Felix. O impacto da covid-19 no trabalho informal e as perspectivas

pós-pandemia. REUNA, Belo Horizonte, v. 27, n.2, p. 77-84, 2022.

COSTA, Márcia. Trabalho Informal: um problema estrutural básico no entendimento das desigualdades na sociedade brasileira. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ccrh/a/yj6WzVDLPLscCtPjYVF7BHh/?lang=pt.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Painel da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). 2023. Disponível em: https://painel.ibge.gov.br/pnadc/.

FERNANDES, Paulo. Monetary incentives to boost workers’ formalization: pilot programmes in Brazil and Mexico. In: International Labour Organization. Decent Jobs for Youth. 31 mar. 2023. Disponível em: https://www.decentjobsforyouth.org/resource-details/Blogs/1149.

GAMA, ANDREA. 2023. “We Take Mumbucas: Charting the Complementary Currency that’s Transforming a Brazilian City”, Available at: https://share.frnsys.com/mumbuca/.

GAMA, A.; COSTA, R. The increasing circulation of the Mumbuca social currency in Maricá, 2018-2020. Center for Studies on Inequality and Development (CEDE). Disponível em: https://cede.uff.br/wp-content/uploads/sites/251/2021/08/NT-002-GAMA-A.-COSTA-R.-2021.-The-increasing-circulation-of-the-Mumbuca-social-currency-in-Marica-2018-2020-.pdf.

MALDONADO, J.; SILVA, R.; FREITAS, F.; WALTENBERG, F. Políticas socioeconômicas de reação à crise da Covid-19 no município de Maricá, Rio de Janeiro. Brasília: IPEA, 2022. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11561/30/218212_LV_Impactos_Cap26.pdf.

OIT – Organização Internacional do Trabalho. Recomendação 204: Recomendação sobre a Transição da Economia Informal para a Economia Formal. Geneva: OIT, 2015. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_587521/lang–pt/index.htm.

OHNSORGE, F.; YU, S. The Long Shadow of Informality: Challenges and Policies. World Bank Group. Washington, 2022. Disponível em: https://www.worldbank.org/en/research/publication/informal-economy.

YAMIN, E.; GUEDES, J. C.; CORDEIRO, L. F. Reflexos da informalidade na (des)proteção social dos trabalhadores. Revista Direitos, Trabalho e Política Social, [S. l.], v. 7, n. 13, p. 222–240, 2021. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rdtps/article/view/12498.

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